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segunda-feira, 24 de outubro de 2011

RAÍZES DO BRASIL: PASSADO-PRESENTE.

Reli, novamente, a obra fantástica de Sérgio Buarque de Holanda, Raízes do Brasil. A cada vez que leio esse trabalho fico com a sensação de que esse livro deveria ser leitura obrigatório a todo brasileiro que, mas do que a sua raiz, quer descobrir pistas para o infortúnio que nos atormenta cuja raiz, por desconhecida que seja, alastra-se por todos os veios da vida pública desse país. Dizem que atualmente ocorre uma revolução digital no Oriente Médio, a nova Primavera dos Povos, como ouvi da boca de um cientista político a serviço de um canal de TV. No Oriente Médio, a "revolução digital"  forja a democracia do capital que já leva quase todo o Ocidente à desgraça, mas porque existe uma revolução lá e cá, com a democracia, o povo brasileiro não consegue desvencilhar-se daquilo que lhe é mais retrógrado e cancerígeno, a saber, a corrupção?

Para José Carlos Reis (2006) o trabalho de Sérgio Buarque de Holanda encontra-se dentro do que classificou como redescoberta do Brasil. De modo simplório, se de um lado o trabalho de Francisco Adolfo de Varnhagen (1975), a História Geral do Brasil foi um marco como descoberta intelectual, ou histórica do Brasil, Sérgio Buarque reinterpretou o Brasil rompendo com a visão linear de Varnhagen, para quem o destino manifesto da nova Nação seria assemelhar-se ao gênio criador, ou seja, a metrópole. Comparativamente, o que Varnhagen afirma, torna-se objeto de negação de Sérgio Buarque. 

As Raízes do Brasil (1969)  foi um texto publicado pela primeira vez em 1936 que, procurando explicar o passado, interpretou o presente e tornou-se discurso futurista. Aparentemente pode parecer que estou dizendo bobagens, já que não nos é dado, a nós historiadores, esse direito de uso da bola de cristal, muito menos macular a memória de um colega de profissão, sobretudo se em se tratando de alguém ilustre, com tal afirmativa. Mas, é fato inconteste que os males de ontem ainda persistem no passado.

Sérgio Buarque, problematizando a modernização brasileira, identifica nas raízes lusitanas os vícios que dificultava melhor sorte ao povo brasileiro. A cultura da personalidade, a ética da aventura, o ruralismo e o caráter do homem cordial constituíam a base da explicação daquele Brasil, tal qual se encontrava. 

O primeiro conceito, a cultura da personalidade, diz respeito ao fenômeno coletivo que sobrepõe o sujeito à instituição. O sujeito autônomo figura com mais valor que a organização espontânea formada pela coesão social. O próprio português, colonizador, estava envolto em uma imprecisão quanto à sua identidade. Para Sérgio Buarque de Holanda, os portugueses à época do descobrimento não eram nem europeus, nem africanos ou árabes; estabelecidos em território fronteiriço entre a África e a Europa, eram um pouco de cada cultura e, por isso, integraram-se tardiamente à Europa. O que revelou-se original na mentalidade desse povo foi o culto à personalidade, valendo o indivíduo mais pelo seu mérito do que pelo nome herdado.   

O segundo conceito, a ética da aventura, recorrendo aos tipos weberianos, Sérgio Buarque o formaliza a partir da comparação entre o trabalhador e o aventureiro; o aventureiro caracteriza-se pela ausência de planejamento, pela adaptabilidade e pela mobilidade, diferente do trabalhador que é o seu oposto. Ainda usando o método comparativo dos tipos, Sérgio Buarque faz a relação entre o colonizador espanhol, trabalhador-ladrilhador, que constrói cidades, e o português aventureiro-semeador, que sai semeando cidades, de forma imprecisa e desarticulada.  

O ruralismo, terceiro conceito apresentado por Sérgio Buarque, ainda está ligado ao culto à personalidade já que, nesse caso, o que põe em evidência é a estrutura da família patriarcal, o mando privado do pater-família sobre o grupo família que confunde o público com o privado. 

Os conceitos aparecem de tal forma entrelaçado que esse atravessamento do público pelo privado, da transplantação dos valores domésticos à esfera pública, explica o quarto conceito, o homem cordial. Nesse caso, tratar-se-ia dos laços de proximidade e afetividade, estabelecidos na esfera privada, influindo sobre a esfera pública. O norte das relações não é a frieza da burocracia do Estado, mas o calor das relações de parentesco, amizade e do compadrio.

A modernização do Brasil estaria condicionada à superação dessa herança portuguesa. Essa era a explicação  para a permanência, para o tradicionalismo que emperrava a racionalização da administração pública. E o que nos entrava hoje? E o que vivemos de distante disso que Sérgio Buarque percebia na primeira metade do século XX? A história, de fato, é um desvelar de rupturas e permanências!

Nesse ponto, considero oportuno retomar a questão, porque no Oriente Médio que, segundo a grande mídia, estava sob um regime fechado, instaurou-se uma revolução que redundou na morte de Muamar Kadafi, e no Brasil não conseguimos sequer superar a demagogia política sobre a educação e, por pior que isso pareça, os educadores, que cuidam do futuro da nação, constituem a classe com a pior remuneração no país entre os profissionais com mesma formação, ou seja, curso universitário?

Mas que questionar o salário dos professores, Raízes do Brasil me inquieta porque explica os órgãos públicos tornados cabide de emprego e, estes empregos, ocupados por pessoa cuja escolha não tem como base a competência, mas o parentesco, o compadrio ou outra explicação do gênero. O Brasil contemporâneo tem muito de herança do passado. Agora se esse passado era explicado por uma herança ibérica, agora pode ser explicado pela acomodação do povo que, mesmo tendo condições para romper com esse fardo opressivo, preferem o comodismo do silêncio por crerem que não adianta lutar porque sempre foi assim e assim sempre será.    


Bibliografia:

REIS, José Carlos. As identidades do Brasil: de Varnhagen a FHC. 8a. Ed. Rio de Janeiro: FGV, 2006.

HOLANDA, Sérgio Buarque de. As raízes do Brasil. 8a. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1969.

VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. História geral do Brasil: antes da sua separação de Portugal. São Paulo: Melhoramentos, 1975.